É usual, quase corriqueira, a situação em que diante de um embate ideológico ou uma discussão com pano de fundo situações domésticas, as deficiências sejam utilizadas como um tipo de ofensa. Também são utilizadas como arma verbal para agressão, pois ainda é perceptível que parte da sociedade carrega em si a ignorância sobre o que é ou não deficiência. Até que ponto também querem saber?
Difícil resposta. Às vezes se faz uso de expressões absolutamente capacitistas como “você é inútil”, “só pode ser débil mental”, “até parece deficiente” em discussões unicamente como meio de ofensa e a afronta se dá, neste exemplo, utilizando características de deficiências como arma de ataque a outra pessoa. Isso sem citar aqui o uso de características físicas, etnias, cor e gênero.
Dentre as definições sobre deficiência existem duas linhas claras: a definição com base na medicina e aquela com base no contexto social, no entanto, adiciona-se aqui a pretensa terceira linha advinda da ignorância e aqui atribuída pelo autor deste artigo de opinião.
Na definição médica de deficiência aborda-se diretamente o quê, biologicamente, fora afetado no corpo em um acidente, por exemplo, ou afecções impostas mesmo antes do nascimento como alguns tipos de cegueira, más formações na coluna e outras. Por outro lado, a definição que tem base no contexto social ou “modelo social de deficiência, vai muito além e trás consigo todo um acervo que vai desde situações cotidianas como ir ao mercado, o que aqui se traduz como algo que promove a igualdade, como um impedimento de atravessar uma rua por falta de acessibilidade, uma barreira estrutural que impede o avanço e assim enaltece a deficiência.
Para seguir preciso trazer um trecho da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2014, p. 29), que versa o seguinte: “Os Estados Partes proibirão qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo.”
Com base no trecho da ONU, que vale como Lei, no momento em que se usa características de pessoas com deficiência, recorre-se a um artifício discriminatório que por sua vez também é um crime, no entanto quero atentar para o fato de que as deficiências, visíveis ou não, são vistas como diferenças e utilizadas como alvo de agressão verbal também. Isso ocorre com qualquer pessoa cujo corpo não se encaixe nos padrões exigidos pela sociedade. Padrões estes que não se limitam ao ataque as pessoas com deficiência, mas que vão além e chegam com força feroz a qualquer um que não se “enquadre nas normas corporais vigentes.”
Espinheira (2008), enfatiza que na sociedade moderna a vida social, o convívio, tem como aliança muito mais a estética, a moda e a propaganda que vende a imagem do que o indivíduo e suas particularidades. E quando a imagem não é aquela historicamente denominada como normal, esta imagem ou a pessoa que trás consigo algo particular contrário a estética imposta, a diferença volta a ser alvo. (MAIA; RIBEIRO, 2010)
Infelizmente, assim volta-se a adotar a compreensão do corpo deficiente como aquele que é fisicamente vulnerável e, por assim ser, também é incapaz ou, em palavras agressivas, “inútil”.
Há quem diga que a diferença assusta, porém, a meu ver, o que assusta nunca será a tal diferença e sim as reações desmedidas e reprováveis daqueles que usam as diferenças como alvo para os ataques motivados por um menosprezo a outro ser humano que beira a incompreensão.
Até a próxima!
Angelo Márcio
Referências Bibliográficas
BRASIL. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Decreto Legislativo nº 186, de 09 de julho de 2008: Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009: Declaração Universal dos Direitos Humanos. Vitória: Ministério Público do Trabalho, 2014. 124p. Projeto PCD Legal, 2014. Disponível em: LINK Acesso em 10 jun 2019.
ESPINHEIRA, Gey. Sociedade do medo: Teoria e método da análise sociológica em bairros populares de Salvador: juventude, pobreza e violência.. Salvador: Edufba, 2008. 266 p. Disponível em: LINK. Acesso em: 10 jun. 2019.
MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi; RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. Desfazendo mitos para minimizar o preconceito sobre a sexualidade de pessoas com deficiências. Revista Brasileira de Educação Especial, [s.l.], v. 16, n. 2, p.159-176, ago. 2010. FapUNIFESP (SciELO). LINK