As expressões sobre deficiência que utilizamos no cotidiano revela muito mais do que parece. Alguns termos, ainda presentes em discursos institucionais, manchetes e até rodas de conversa, não apenas estão ultrapassados — são ofensivos, capacitistas e perigosamente normalizados.
Trocar palavras é trocar lentes. Não se trata de “mimimi” ou “politicamente correto”, e sim de reconhecer que a linguagem sustenta práticas sociais. Se queremos uma sociedade mais justa e inclusiva, precisamos começar pelo básico: as palavras que escolhemos.
Abaixo aponto 10 termos sobre deficiência que considero inadequados e prefiro evitar, por reforçarem estereótipos e capacitismo.
1. “Portador de deficiência”
A deficiência não é uma pasta de documentos nem algo que se “porta” e se deixa em casa. Além de ultrapassado, o termo ignora o fato de que a deficiência faz parte da identidade da pessoa, e não é um acessório.
Certo: Pessoa com deficiência (como prevê a Convenção da ONU e a LBI).
2. “Pessoa especial”
Ser tratado como “especial” costuma parecer elogio, mas tem cheiro de eufemismo. Coloca a pessoa num pedestal simbólico para não lidar com a realidade concreta de sua existência.
Resultado: reforça a exclusão e infantiliza.
3. “Pessoa com necessidades especiais”
Essa expressão amplia tanto que perde o sentido. Todo mundo tem necessidades. A diferença é que a pessoa com deficiência enfrenta barreiras que a sociedade impõe ao acessar seus direitos.
O problema não é a necessidade — é a falta de acesso.
4. “Deficiente”
Reduzir alguém a uma única característica física, sensorial ou intelectual não é só impróprio — é desrespeitoso. É como chamar alguém de “doente” ou “inválido”.
Use sempre pessoa com deficiência, colocando a pessoa antes da condição.
5. “Menos capaz”
Comparado a quem? A frase parte de um modelo de normalidade que marginaliza corpos e formas diferentes de existir. Capacidade se mede em contexto. E a sociedade tem um longo histórico de desacreditar o potencial de quem tem deficiência.
6. “Vítima de deficiência”
Não. A pessoa com deficiência não é vítima da sua própria condição, e sim das barreiras impostas pelo meio, da falta de acessibilidade e do preconceito. Essa expressão apaga a luta por autonomia e reforça o coitadismo.
7. “Preso a uma cadeira de rodas”
A cadeira não é uma prisão — é liberdade de ir e vir. A metáfora é equivocada e reforça uma ideia de pena e limitação, quando, na prática, a limitação está nas calçadas, nos ônibus e nos olhares.
8. “Sofre de deficiência”
Outro clássico do dramalhão. A deficiência pode exigir adaptações, mas não é um sofrimento permanente. A vida com deficiência pode ser completa, potente, complexa — e feliz.
A dor maior é lidar com uma sociedade que insiste em não se adaptar.
9. “Excepcional”
Termo antigo, muito usado para se referir a pessoas com deficiência intelectual. Hoje, carrega um ranço de paternalismo e já não tem base na legislação atual.
Prefira: pessoa com deficiência intelectual.
10. “Superação”
Quando usada como rótulo automático, romantiza a exclusão. A pessoa com deficiência não precisa ser um exemplo de força, coragem ou superação todos os dias. Às vezes só quer existir em paz — com acesso, respeito e autonomia.
Esses termos que listei não foram escolhidos por regra de manual, mas por vivência. São expressões que, pra mim, carregam um peso desnecessário, reforçam estereótipos e afastam em vez de aproximar. É claro que cada pessoa com deficiência tem o direito de se referir a si como quiser — e algumas podem, sim, aceitar ou até preferir alguns desses termos. Mas acredito que repensar o vocabulário é um gesto de respeito e de cuidado. Se a intenção é incluir, evitar certos termos pode ser o primeiro passo.