A divulgação recente dos dados do Censo 2022 sobre pessoas com deficiência, feita pelo IBGE, oferece um retrato necessário – e ainda incômodo – sobre a realidade de milhões de brasileiros. Segundo o levantamento, 14,4 milhões de pessoas com 2 anos ou mais, o equivalente a 7,3% da população, convivem com algum tipo de deficiência. Os números reforçam a urgência de políticas públicas inclusivas, mas também revelam confusões conceituais que podem comprometer avanços importantes, sobretudo no campo previdenciário e do trabalho.
Um dos maiores progressos recentes está no reconhecimento do TEA – Transtorno do Espectro Autista como deficiência. Esse marco, além de simbólico, é prático: possibilita acesso a direitos como vagas preferenciais, atendimento prioritário, critérios diferenciados em benefícios previdenciários e mecanismos de proteção contra discriminação. As famílias que enfrentam o dia a dia com o TEA sabem que esse reconhecimento, embora não resolva tudo, facilita muito.
Contudo, o mesmo Censo que avança no reconhecimento também precisa evitar retrocessos. Há uma diferença conceitual e jurídica entre deficiência e incapacidade permanente para o trabalho – diferença essa que parece mal compreendida no levantamento. A deficiência pode gerar necessidade de adaptações, jornadas reduzidas ou medidas de inclusão no ambiente profissional. Já a incapacidade total ou parcial para o trabalho exige outra abordagem, voltada à reabilitação, readaptação ou aposentadoria.
Misturar os conceitos pode gerar impactos negativos, como a negação de direitos trabalhistas ou previdenciários por critérios mal definidos. A deficiência não é sinônimo de improdutividade – e tampouco pode servir como justificativa para exclusão. Pelo contrário, ela impõe ao Estado e à sociedade o dever de garantir acessibilidade, suporte e oportunidade.
Os dados do IBGE mostram, por exemplo, que a prevalência de deficiência cresce com a idade: mais de 50% da população com 90 anos ou mais declara alguma limitação. Também revelam desigualdades raciais. A prevalência entre pretos (8,6%) é maior do que entre brancos (7,1%), evidenciando a sobreposição de exclusões. Os números pedem políticas públicas interseccionais, que considerem classe, raça, gênero e território.
O diagnóstico de TEA também mostra um retrato inédito: 2,4 milhões de pessoas disseram ter recebido esse diagnóstico, o equivalente a 1,2% da população. É uma fotografia importante, ainda que subestimada, sobretudo entre adultos. A maior concentração está entre crianças de 5 a 9 anos (2,6%), o que pode indicar uma melhora no acesso ao diagnóstico precoce – mas também aponta que muitos adultos com TEA seguem invisíveis nas estatísticas.
Reconhecer é só o começo. Os dados não devem servir apenas para contabilizar vulnerabilidades, mas para desenhar políticas que respeitem a autonomia e a dignidade dessas pessoas. O desafio não está apenas na coleta de informações, mas no que se faz com elas. E isso implica compromisso político, rigor técnico e, sobretudo, escuta ativa das pessoas com deficiência e suas famílias.
*Com informações do Migalha